Projeto Fundação Casa: Aprofundando o diálogo com o público - 2008



Durante nossas atividades nas diversas unidades da Fundação C.A.S.A passamos por diversas experiências difíceis de reduzir em um texto que retire a especificidade de cada local.
Algumas com segurança mais reforçada do que outras, revista mais detalhada, mas em geral o procedimento no chegar e sair de cada unidade era o mesmo.
Sempre muito bem recebidos pelos funcionários, tivemos antes e depois a oportunidade de conversar com educadores e diretores de unidades, que nos proporcionaram informações impossíveis de assimilar com uma breve estadia. Precisávamos entender melhor nosso público, e a ajuda dos funcionários nos foi essencial para compreender um pouco da rotina adotada no local.
A receptividade já dentro das unidades, em contato com aqueles para quem destinamos o projeto, foi na grande maioria muito boa. Perguntas muitas vezes surgiam antes mesmo de darmos inicio às atividades.
Durante a primeira parte da atividade, na arte-educação, o trabalho era desafiador. Era estabelecido ali o primeiro contato com a maioria do público, esse era o momento onde pedíamos licença, a partir dali começaríamos e nesse momento era possível presumir como seria o restante.
É importante explicar que nessa parte o objetivo era explicar ao público um pouco da linguagem do teatro e o que o grupo trabalhava, também começávamos a conhecê-los: quantos deles já foram a um espetáculo ou mesmo tinham um contato com a linguagem mais direto, o que geralmente ocorria em unidades onde existiam oficinas. Junto a eles refletíamos sobre o espaço que estávamos, o tipo de figurino que usávamos, a música durante a peça, outras perguntas eram deixadas em aberto para que fossem observadas no decorrer da peça como sobre de que maneira se daria a troca de figurinos sem um espaço reservado. Outras perguntas surgiam de acordo com as respostas apresentadas, e por último uma brincadeira era proposta aos internos, onde quem se sentisse à vontade participava fazendo uma sonoplastia com as mãos objetivando construir um som de chuva, em geral atividade com elevada participação.
Logo após a atividade apresentávamos um carnaval com a música “Oh abre alas” onde pedíamos passagem para começar a contar a história da personagem Graça. Com tantos personagens caricatos, atores fazendo o papel de mulheres, exagero nos movimentos, figurinos,
expressões e músicas, as situações pela qual a personagem Graça passava ao mesmo tempo em que despertava a indignação, mostravam muitos risos que por vezes revelavam um interesse no que está por vir, verificar até onde a situação da personagem poderia piorar, um anseio por vê-la em tais posições.
No decorrer da peça procuramos abrir o quanto mais espaço para o público, indo até ele convidando a participar do espetáculo, o que em muitos casos ocasionou uma intensa intervenção onde o público revelava sua opinião em alto e bom tom enquanto a cena ocorria, chegando a aconselhar a personagem.
Terminada a peça retornamos com a atividade de arte-educação, agora convidando os internos a ocuparem o lugar de atores e por meio de uma atividade onde com frases ditas por quem se prontificasse era construída uma história iniciada com um papel com temas já levados por nós.
Em poucas unidades a atividade não resultou em cena. Nesse momento conseguimos estar no lugar de platéia e ver surgirem cenas interessantíssimas nas quais, na maioria das vezes, vertiam para a realidade de cada um contando com assaltos, consumo de bebidas, seqüestros, em geral cenas com muito humor, talvez condicionados por aquilo que acabaram de ver.
Finalizada as atividades sentávamos para uma conversa respeitando bem a palavra. Não só respondíamos perguntas, formulávamos também. Assim a conversa geralmente andava em torno do histórico do grupo, o que para eles representou a peça, opiniões sobre ela, como construímos a peça. Sempre deixamos muito evidente a nossa escolha por aquele público e local para realização de um projeto, explicando o projeto, a possibilidade de inscrição de qualquer pessoa com interesse no Programa VAI, bem como as possibilidades de se fazer teatro gratuitamente.
Antes de nos retirar, geralmente ficávamos ainda um bom tempo conversando. Cada integrante com um grupo de pessoas que se aproximavam com mais perguntas, agradecimentos e muitas vezes mostrando também sua própria forma de se expressar. E foram com elas, com o contato mais direto que conhecemos em muitas unidades compositores, escritores, poetas, músicos, atores, desenhistas pintores e diversas outros casos que mais tímidos ou desinibidos apresentaram outro lado para nós desconhecido dos que compões a Fundação C.A.S.A.

“ 1,2,3 eu vou rimar
agora eu vou falar
o teatro esta aqui
para nos ajudar
tendo uma cultura
e uma educação
e vem mostrar pra nós
dentro da Fundação
e todos agradecem
de coração Rodnei
eu não sei cantar
mas um dia ela vai
cantar pra mim
muito obrigado
Alexandre e companhia!”

Leandro (interno da Fundação C.A.S.A.) - Rimas feitas no momento da nossa visita

Presenciamos momentos geralmente não nos mostrados de uma parcela da juventude que compõe uma espécie de confinamento por faltas cometidas, umas mais graves, outras mais leves. Acabávamos de nos conhecer e apenas sabíamos exatamente o que por eles era nos dito, sua atual condição era obvia, mas não nos era obvio igualmente o que seria feito a partir dali, e acreditamos sim que o teatro poderia ser um caminho a seguir. Caso contrário nada disso
faria sentido, caso contrário não existiria tal projeto.
Talvez aprofundar o diálogo com o público seja um segundo passo, uma etapa posterior. Por vez apenas criamos este espaço.

Abaixo segue a lista das unidades visitadas, algumas mais tiveram mais de uma apresentação devido à quantidade
de internos.

UNIDADE FEMININA DE TAIPAS
UNIDADE MASCULINA DE PIRITUBA
UNIDADE INTERNATO ENCOSTA NORTE – ITAIM PAULISTA
UNIDADE INTERNATO VILA CONCEIÇÃO
UNIDADE INTERNATO ITAQUERA
UNIDADE INTERNATO VILA LEOPOLDINA
UNIDADE RAPOSO TAVARES – U.I. 27
UNIDADE DE INTERNATO PAULISTA – VILA MARIA
UNIDADE INTERNATO BOM RETIRO
UNIDADE ADONIRAN BARBOSA.
UNIDADE INTERNATO BELA VISTA
UNIDADE CHIQUINHA GONZAGA

Eu sou um Bolinho...


O grupo Bolinho formou-se em outubro de 2001, com o início do Projeto “Teatro Vocacional” da Secretaria Municipal de Cultura.
Desde seu início, o grupo desenvolveu os espetáculos “Anfitrião”, “7 pecados” e “Mahagony”, com direção de Mariana Leite, “Até aí morreu o Neves” com Ana Flávia Crispiniano e “Graças a Deus” de criação coletiva.
Seu primeiro espetáculo “Anfitrião” foi montado a partir do texto do autor grego Plauto, tendo como principais marcas a utilização de coros e figurinos feitos de materiais recicláveis.
Em seguida, o grupo realizou um estudo sobre a dialética de Bertolt Brecht, que resultou nos espetáculos “7 Pecados” e “Mahagony”. Suas características essenciais são a utilização de recursos cênicos de distanciamento como no primeiro, a exploração de um sistema de personagens-coringa, e no segundo a utilização de máquinas corporais e canções.
No espetáculo “Até aí morreu o Neves” inspirado no texto “A falecida”, de Nelson Rodrigues, o fator determinante na composição foi o uso de todos os espaços do edifício teatral, como banheiro, hall, palco e platéia.
Com os resultados obtidos na relação do grupo com a platéia, fruto das experiências descritas, um novo processo foi iniciado tendo como foco a linguagem popular, sua execução em espaços não convencionais e a pesquisa musical. Esse processo culminou no espetáculo “Graças a Deus”.
Em 2008 o grupo foi contemplado com Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais - VAI, o qual possibilitou a circulação com seu último espetáculo por 14 unidades da Fundação C.A.S.A. ao lado de atividades de arte-educação realizadas com os (as) jovens.
Em paralelo ao projeto, a pesquisa musical foi aprofundada pelo grupo com sua inserção no projeto Música Vocacional onde, orientados por Marko Aurélio Wegner, trabalharam as chamadas marchinhas de carnaval, anteriormente inclusas no espetáculo.
Com as experiências e as reflexões adquiridas em suas últimas experiências, o grupo inicia 2009 com uma nova pesquisa em torno da temática da liberdade onde pretende aprofundar seu diálogo com a linguagem musical do carnaval.